agosto 16, 2012

Desvario


- Eles chegarão no trem das 7h, senhor. Estão entre trinta. Devo informar o diretor? - perguntou o guarda.

- Não. Ele já têm coisas o suficiente para se preocupar. Eu cuido desses novos “hóspedes”.

E saiu, com a cara fechada; carrancuda e mal-humorada que carregara durante aqueles longos 45 anos de trabalho. Uma pena que não duraria muito mais do que isso. Era um velho rabugento; lúgubre. Havia se tornado uma pessoa fria, vivendo praticamente mais da metade de sua vida naquele lugar que, pela falta de compreensão, era também um lugar frio. Os anos foram, aos poucos, tirando tudo o que tinha. Até o emprego, por assim dizer.  De algo que fazia parte da vida do médico, tornou-se algo do qual o médico fazia parte. O casamento se desfez como se desfazem os castelos de areia fina na praia quando vêm o vento ou quando a maré sobe à noite apagando os rastros humanos que vagaram por ali durante o dia. O relacionamento com os filhos – se algum dia houve um - nunca fora bom, nunca fora nem normal. Não era só o seu rosto uma coisa fechada, mas também todo o seu interior. Não havia se casado por amor, nem mesmo por dinheiro. Era uma união medíocre, fruto de um desejo por uma estabilidade social e financeira de ambos os lados, ilusória. Casou-se por um favor, e mesmo com a distância, nunca deixou de amar sua esposa.